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certos aspectos a Heráldica assumida é uma das mais notáveis e cheia de significado.
Não se deve esquecer que ela está na base de todo o desenvolvimento da arte de bem
orientar as representações simbólicas da personalidade.
De início, a Heráldica assumia-se por imposição utilitária. Cada um tomava para si
um distintivo privativo para melhor se diferenciar dos outros.
Quase todos os antigos brasões de armas têm, na origem uma proveniência assumida.
Mas é a altura de perguntar: o que são armas assumidas?
Quando um brasão de armas é obtido por escolha do próprio diz-se assumido. Na
origem, não resta dúvida que a forma de obter o brasão foi a de cada um o escolher como
lhe aprouvesse. Mais tarde, a Heráldica apurou-se e cristalizou. As suas fontes
originárias restringiram-se. A forma normal de obter o direito ao uso do brasão de armas
estava então na herança familiar e, em certos casos, na concessão graciosa do soberano.
Diz-se a forma norma porque, em alguns países, o uso de armas assumidas não deixou de
ser praticado, sobretudo pelos artistas e oficiais mecânicos das grandes manufactureiras
do norte da Europa que reforçavam siglas e monogramas com arranjos heráldicos,
antepassados das actuais "marcas" industriais e comerciais.
Noutros países, como em Portugal por exemplo, o uso de armas escolhidas pelos
próprios interessados em possuí-las não foi muito praticado. Fora certos institutos
religiosos e corporativos, a forma heráldica de ordenar distintivos e símbolos esteve
relegada para a sua fonte hereditária ou para o acto gracioso do monarca. Chegou-se a tal
ponto nesta restrição e apego ao preconceito hereditário das linhagens que se
concediam, muitas vezes, cartas de brasão e nelas reconhecia-se, como boa e bem provada,
uma linhagem sem antiguidade, só para atribuir ao titular o direito a brasão reconhecido
de família vetusta. O processo foi cómodo para os preguiçosos reis-de-armas que, de um
golpe só matavam logo dois coelhos: não tinham o trabalho de conceber novas ordenações
heráldicas e satisfaziam, em especial, aos olhos dos novos brasonados, o gosto vaidoso de
se julgarem da velha estirpe, mesmo que esta assentasse, notoriamente, sobre mal urdido
sofisma genealógico.
A confusão dos tempos modernos teve, pelo menos, a vantagem de reduzir os formalismos
e permitir um impulso novo dado às formas de que veio beneficiar a Heráldica. Não é
para desprezar a circunstância deveras notável de coincidir, precisamente, com o
aparatoso e revolucionário fim dos chamados privilégios nobiliárquicos, o renascimento
cada vez mais pujante da Nobre Arte que brota de todas as suas fontes, até daquelas que
pareciam já adormecidas para sempre.
Renasceu assim o gosto pela escolha e adopção de distintivos ordenados segundo as
regras da ciência e da arte heráldicas. A par do estudo dos antigos armoriais
desenvolveu-se a prática de usar marcas pessoais indicativas de posse e estas tiveram a
sua primeira e mais expressiva manifestação nos ex-libris pretexto involuntário de uma
autêntica Heráldica assumida, já hoje senhora de exemplares valiosos não só no ponto
de vista da Arte, como no do seu expressivo ordenamento segundo as regras do brasonário.
Isto no que se refere a Portugal. Nos grandes centros europeus no norte da Europa dá-se
em grande, um fenómeno semelhante e até a tradicionalista Inglaterra não teve dúvidas
em facultar, através do seu famoso College of Arms, cartas patentes de armas a quem
assumisse um brasão e depois o registasse mediante £105 (em 1966) de emolumentos e
patente.
Entre nós a nova Heráldica assumida está ainda nos seus alvores. Se um surto
económico fornecer certa abastança, com ela a Nobre Arte também enriquece, pois será
acolhida por todos que gostem de rodear-se de beleza. A brilhante iluminura de um bonito
brasão, como sinal de personalidade, não é coisa para desprezar.
Como não há lei que a proíba e como se lhe reconhece utilidade (não é uma
exibição meramente sumptuária) a Heráldica assumida justifica-se.
É oportuno lembrar que hoje a Heráldica não é uma ciência oculta, cabalística e
hermética. É uma ciência, uma arte e uma técnica. Por seu intermédio consegue-se o
harmonioso efeito dos símbolos no seu desenho e nas suas cores e metais. Por intermédio
da Heráldica obtém-se, para uso próprio, um agradável cartão de visita multicolor.
Alguns exemplos de brasões assumidos mostram quanto a Heráldica é preciosa na poesia
das suas expressões figuradas e na bela sinfonia das suas cores, mesmo fora das grandes
"marcas" brasonadas.
O uso de sinais e de símbolos tornou-se mais do que um simples devaneio exibicionista.
Tornou-se em verdadeira necessidade nascida da exigência de "distinguir",
imposta pela confusa e multitudinária vida dos dias que estão a decorrer.
À urgência de organizar cada vez melhor a sociedade de modo a tornar mais perfeitas
as relações entre os seus membros, corresponde a reconhecida vantagem de distinguir
indivíduos e grupos no meio do imenso caudal humano que circula em todas as direcções e
por todos os meios, sobre a pequenez do globo terrestre.
Não é para admirar, portanto, o facto de se estarem a vulgarizar os
"sinais" ou as "marcas" para usos puramente civis, fenómeno
semelhante ao que se verificou, no campo económico, com as marcas comerciais e
industriais.
O gosto crescente pelos ex-libris como "marca" especial, destinada a indicar
a propriedade dos livros é uma boa prova disto.
Da simples alusão simbólica e da alegoria das marcas de posse do género dos
ex-libris, chegou-se à manifesta tendência de ordenamento heráldico, já por
influência da Heráldica de família, exuberantemente "representada" na posse
dos livros, já pela facilidade de concepção e ordenamento obtidos ao recorrer-se às
regras da arte de brasonar.
Nem sempre o emprego destas regras logrou bom efeito, mas deve atribuir-se à
deficiência da execução artística e não às salutares soluções heráldicas.
É possível classificar os ensaios heráldicos dos ex-libris em perfeitos e
imperfeitos. E os imperfeitos classificarem-se incompleto das regras (por exemplo
omitirem-se esmaltes), quanto ao exagero de motivos externos e internos (por exemplo
predomínio das cartelas sobre elementos verdadeiramente simbólicos, ou inclusão,
nos campos, de elementos externos típicos como as divisas). Tudo isto, porém, representa
as vacilações próprias de um renascer titubeante.
As expressões simbólicas falantes, sempre tão compreensíveis, foram as que mais
contribuíram para a Heráldica assumida e, em particular, para a Heráldica assumida
moderna. A alusão por meio de figuras investidas de significado simbólico, desde há
muito consagradas no brasonário, foi outro motivo de preferência dada ao estilo
heráldico. [...]
As "marcas assumidas" são elementos vivificadores da Heráldica. É
necessário, contudo, aproveitar melhor a arte Heráldica ao conceberem-se novos temas
para que surjam em maior beleza de forma e de cor.
Ao alargar-se a Heráldica, ainda incipiente, dos ex-libris, à Heráldica pela das
marcas de personalidade, impõe-se criar um regime que seja a garantia da sua função e
respeito pelo direito da velha Heráldica de família e de domínio que estão, afinal, na
base, como fontes preciosas de uma das mais belas manifestações do génio humano:
insuflar o espírito da personalidade às figuras e às cores, atribuindo-lhes
representação e enchendo-as de significado.
As Regras e o Regime Jurídico da Heráldica Assumida
eráldica assumida já se sabe o que é. É o sector da
Heráldica geral relativo às armas concebidas e adoptadas por qualquer pessoa que as
assume como distintivo pessoal ordenado segundo as regras da Heráldica. Tão sugestivas
são estas regras e de tão bom efeito a obra realizada dentro do seu espírito que não
admira tenha, frequentemente, seduzido muitos levando-os a adoptarem qualquer sinal
figurado para os representar.
Ao assumir-se umas armas, poderá aplicar-se toda a aparelhagem heráldica sem
restrições, ou terão de guardar-se certas regras além das que presidem e à
estilização?
Parece de elementar prudência formular, a este respeito, uma teoria. À parte o
princípio geral da exclusividade das armas, que as torna pertença de certa e determinada
pessoa, princípio aplicável a toda a Heráldica, há interesse em fixar uma
orientação.
Ao escolher-se uma forma heráldica de representar a própria personalidade, pode
adoptar-se qualquer sinal ou símbolo concebidos dentro do espírito da arte de brasonar,
com excepção dos sinais ou figuras exclusivos de certos sectores da Heráldica. É o
caso das bricas e do lambel na Heráldica de família, por exemplo. Isto para os elementos
internos do brasão. Para os externos em geral insígnias distintivas as
restrições impostas às armas assumidas são maiores. As coroas ou coronéis com a
configuração especial indicativa das várias categorias de títulos, estão
evidentemente, postas de parte. Não é possível assumir-se um brasão de armas encimado
por uma coroa de conde, se o inventor das armas não tem direito ao título, ou rematar um
escudo por uma borla doutoral se o que assume não for "doutor".
Não há dúvida: os elementos externos do escudo que tenham carácter de insígnias
exclusivas de certos títulos, distinções honoríficas ou cargos, não podem ser usados
segundo a fantasia do assumidor de armas.
Onde, à primeira vista, poderão surgir dificuldades, é quanto ao uso do elmo e do
timbre. Quanto ao timbre, o caso desvanece-se desde logo, visto o timbre, em regra, ser
uma representação externa de um elemento interno do brasão ou, quando muito, um seu
complemento simbólico externo diferente; mas, em qualquer circunstância, é sempre um
complemento. Como distinção específica, o timbre só interessa para o escudo de certa
fase da história da Heráldica. Como elemento simbólico muito expressivo e ornamental o
timbre parece susceptível de ser assumido em complemento do escudo.
O uso do elmo traz outras objecções. Como é sabido, na Heráldica histórica a
posição do elmo sobre o escudo varia segundo certas situações categorias, mas a
posição ordinária é a de se colocar o elmo voltado a três-quartos para a dextra,
(para a esquerda do observador, para a direita do "guerreiro utilizador").
Fora o caso do elmo colocado de frente e de ouro, próprio das Armas Reais e Nacionais,
a posição dos elmos de perfil, por exemplo, tem hoje mero interesse histórico e pouco
significam na Heráldica moderna. O uso do elmo voltado a três-quartos para a dextra
generalizou-se e é a posição de melhor efeito no conjunto das armas, melhor até do que
a do elmo colocado de frente.
Como suporte natural do timbre, não se vê inconveniente no uso do elmo voltado a
três-quartos para a dextra sobre os escudos assumidos. É um bom motivo ornamental de
enquadramento visto, com o seu paquife iluminado dos esmaltes do brasão, ser um elemento
lógico representativo das Armas e não colide, na Heráldica moderna, com qualquer
categoria. Por motivos estéticos consagrou-se a posição do elmo colocado a
três-quartos para a dextra.
Depois destas breves observações teóricas aplicáveis à Heráldica assumida,
considere-se, em brevíssimos traços, o seu regime jurídico.
As armas assumidas não encontram na lei protecção expressa. No entanto, como a lei
as não proíbe e representam de facto uma situação de facto atendível emergente do
mais respeitável dos direitos o direito da personalidade a sua protecção
jurídica é de considerar, quanto mais não seja por analogia, enquanto não surgir um
estatuto próprio regulador desta nova forma de relações.
Ordenado ou não heraldicamente, o uso de símbolos de representação pessoal,
tornou-se frequente. O ex-libris é, em regra, uma forma de simbologia assumida. É um
sinal distintivo pessoal e tem por fim "marcar" a posse de livros. Muitos tendem
a passar de simples "marca de posse" de livros para marca de posse generalizada
e até como indicativo figurado de pessoa a juntar ao nome, no âmbito dos direitos da
personalidade. O ex-libris é a fonte principal da heráldica assumida e tende a
ultrapassar a sua função inicial, passando a representar a pessoa com o carácter de um
verdadeiro brasão.
Assim a representação simbólica da pessoa concebida dentro do espírito da
Heráldica, é mais alguma coisa do que simples "marca de posse": surge como
outro elemento distintivo da pessoa em relação ao seu semelhante. É um reforço
plástico e colorido destinado a reforçar, pela vista, a função característica do
nome.
A lei vigente protege as situações jurídicas heráldicas já existentes (as criadas
dentro da Heráldica de família, de domínio e de concessão). Não dispões nada,
porém, quanto às novas situações jurídicas heráldicas, nascidas da própria vontade
dos assumidores de armas.
A inovação simbólica e assumida admite-se nas marcas comerciais e industriais. Sobre
as marcas pessoais ou novos distintivos, quer tenham ou não ordenamento heráldico, não
há nada estipulado. A única maneira de fazer beneficiar da protecção legal, as várias
formas da nova Heráldica assumida é tornar extensivo, por analogia, o regime vigente
para as marcas comerciais e industriais, enquanto não se estabelecer expressa protecção
legal baseada no espírito que informa o chamado código da propriedade comercial e
industrial. As situações são semelhantes apesar de cada uma delas ter as suas
particularidades.
Ao integrarem-se na representação geral da pessoa, as armas assumidas integram-se
também nos princípios jurídicos implícitos em toda a Heráldica.
Análogas ao nome que completam, as armas assumidas estão afectas à personalidade e
por isso diferentes neste caso das marcas comerciais e industriais
imprescritíveis e inalienáveis.
Assumidas umas armas, poderão ser transmitidas a título gratuito? Podem ser doadas ou
transmitidas por disposição testamentária? Podem transmitir-se por sucessão
hereditária e neste caso assumem o carácter de armas de família. Se o que suceder nas
armas não é da família do de cujus ou do doador, as armas não assumem o carácter
familiar. Continuam na espécie das armas pessoais e dentro do regime das armas assumidas.
Além dos ex-libris ordenados em termos heráldicos, há outra forma de armas assumidas
naquilo que em regra se chama e impropriamente o emblema de certas pessoas
colectivas quando as não tenham por expressa disposição da lei e na forma por esta
regulada. São as agremiações que assumem armas (ou emblemas) por deliberação das suas
assembleias gerais ou outros orgãos diferentes. Neste caso, é claro, as armas
distintivas não estão sujeitas à rigidez dos princípios reguladores da personalidade
individual, mas seguem as normas legais e estatutárias do regime da personalidade
colectiva. As armas conservam-se e transmitem-se conforme as deliberações dos orgãos
respectivos e as estipulações estatutárias.
Se têm a sorte de encontrar um bom ordenamento heráldico, a crítica heráldica nada
terá a dizer. De contrário, lamenta-se a má forma da simbologia assumida que, na
maioria das vezes, só é má pela forma. Nada há a perder quando se recorre aos
princípios, às normas e às regras da Heráldica, que são as mais relevantes na
disciplina estética da simbologia das pessoas colectivas de armas assumidas.
Dentro desta Heráldica há uma categoria importantíssima de armas assumidas,
ordenadas com todas as características da arte de brasonar. Formam como que uma espécie
de família heráldica sui generis, tão expressiva e viva que tem de ser considerada como
autónoma: o extenso sector da Heráldica eclesiástica, na parte respeitante às armas
dos prelados, assumidas e exclusivamente pessoais.
Do der Herolds-Ausschuss der Deuschen Wappenrolle teve-se uma importante informação
de grande interesse sobre o regime jurídico das armas assumidas e o sistema actualmente
seguido na Alemanha:
Todo o cidadão alemão tem o direito de criar armas próprias.
Este acto, por si, estabelece as armas para toda a sua descendência masculina. Mas as
armas podem instituir-se em benefício de todos os seus primos que sejam parente na linha
de varonia. O criador e assumidor das armas conserva o direito de disposição sobre elas
mesmo quando os seu colaterais usem as armas criadas em seu favor ou não.
Antes de 1806 este direito podia ser contestado mas depois da supressão do Santo
Império já não há legitimidade para isso. A grande maioria das armas registadas pelo
Conselho do Deutschen Wappenrolle são armas criadas recentemente. A regra é registar as
armas logo que são criadas. "
Texto adquirido na Internet,
mas que não sabemos a origem. |